A aclamada escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie é autora de diversas obras que tratam das questões sociais, como o racismo, a política e a igualdade de gênero. Foi a partir de seus dizeres “Sejamos todos feministas” que muitos artistas passaram a se engajar mais profundamente na causa, como a cantora norte-americana Beyoncé, em seu álbum Lemonade. Chimamanda é uma das vozes mais potentes que clamam pela igualde de gênero, que lutam contra o machismo e chamam a atenção para a causa feminista.
“Meu feminismo nasceu porque ainda criança lembro que me disseram que não podia participar de certos rituais muito próprios da minha cultura por ser mulher. Lembro de pensar que aquilo não tinha sentido. Cresci cercada de mulheres corajosas e notei que nós sempre estamos atuando. Vi mulheres muito fortes que na presença de homens mudam. Sempre fui consciente disso, e obviamente há uma parte de mim interessada nas histórias de mulheres”, explica a autora.
A cultura machista ainda está arraigada na sociedade. As mulheres ainda ganham menos que os homens e são minoria em cargos de liderança. O presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles, realizou uma pesquisa com 1.024 mulheres e 858 homens no Brasil com o intuito de traçar o panorama atual da mulher brasileira e seus papéis na sociedade.
“O estudo mostra que homens e mulheres concordam que ambos são igualmente capazes de desempenhar diversos papéis sociais. Mas enquanto 60% das brasileiras concordam que mulheres deveriam ocupar ao menos metade dos cargos de chefia nas empresas, três em cada dez homens acreditam que é justo mulheres ocuparem menos cargos de chefia que homens, já que podem engravidar e sair de licença maternidade”, informa o jornal El País.
Além disso, muitos outros exemplos de machismo na sociedade podem ser destacados, como o crescente número de casos de violência contra a mulher. O Brasil registrou 1 estupro a cada 11 minutos em 2015, de acordo com os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública. A cada 7.2 segundos, uma mulher é vítima de violência física, segundo dados do Relógios da Violência, do Instituto Maria da Penha.
O que é machismo?
Existe muita confusão entre os termos machismo e feminismo. Entende-se por machismo a “ideologia da supremacia do macho que nega a igualdade de direitos para homens e mulheres“, conforme o dicionário Michaelis. O significado de machismo no dicionário Aurélio é a “ideologia segundo a qual o homem domina socialmente a mulher”. Ou seja, o feminismo, explicado do modo mais simplista possível, é a luta pela igualdade de direitos entre homens e mulheres, e não a supremacia feminina, como muitos acreditam.
Tipos de machismo
Atitudes machistas são mais comuns do que muita gente pensa. Seja no mundo corporativo, econômico ou pela violência física, como citamos anteriormente, mas também através de formas de machismo invisíveis, como as que a ONG Think Olga listou:
Manterrupting
A palavra é uma junção de man (homem) e interrupting (e interrupção) Em tradução livre, manterrupting significa “homens que interrompem”. Este é um comportamento muito comum em reuniões e palestras mistas, quando uma mulher não consegue concluir sua frase porque é constantemente interrompida pelos homens ao redor.
Bropriating
O termo é uma junção de bro (curto para brother, irmão, mano) e appropriating(apropriação) e se refere a quando um homem se apropria da ideia de uma mulher e leva o crédito por ela em reuniões. Quando colocamos uma ideia, muitas vezes não somos ouvidas. E então, um homem assume a palavra, repete exatamente o que você disse e é aplaudido por isso.
Mansplaining
O termo é uma junção de man (homem) e explaining (explicar). É quando um homem dedica seu tempo para explicar a uma mulher como o mundo é redondo, o céu é azul, e 2+2=4. E fala didaticamente como se ela não fosse capaz de compreender, afinal é mulher. Mas o mansplaining também pode servir para um cara explicar como você está errada a respeito de algo sobre o qual você de fato está certa, ou apresentar ‘fatos’ variados e incorretos sobre algo que você conhece muito melhor que ele, só para demonstrar conhecimento.
Gaslighting
Gaslighting é a violência emocional por meio de manipulação psicológica, que leva a mulher e todos ao seu redor acharem que ela enlouqueceu ou que é incapaz. É uma forma de fazer a mulher duvidar de seu senso de realidade, de suas próprias memórias, percepção, raciocínio e sanidade. Este comportamento afeta homens e mulheres, porém somos vítimas culturalmente mais fáceis. No dia a dia, aposto que vocês já ouviram alguma vez – ou várias:
- “Você está exagerando”
- “Nossa, você é sensível demais”
- “Para de surtar”
- “Você está delirando”
- “Cadê seu senso de humor?”
- “Não aceita nem uma brincadeira?”
- E o mais clássico: “você está louca”
Esses são apenas alguns exemplos de machismo, mas conforme nos aprofundamos na análise cultural, social, estrutural e econômica, comportamentos nocivos à liberdade e igualdade de direitos ficam claros.
O machismo e a psicologia
O machismo afeta as mulheres
A mulher é o principal alvo do machismo. A humanidade foi desenvolvida sob a opressão das mulheres e se voltou totalmente à ótica masculina do mundo. Embora muito avanço tenha ocorrido atualmente, ainda existe muito trabalho e muita luta a serem feitos nesse campo.
A psicóloga Marcela de Oliveira Ortolan, em entrevista à Folha de Londrina, comenta: “É uma forma de opressão de gênero, não é enfocada em homens em específico, mas é a estrutura da sociedade. A opressão aparece de diversas formas: salário das mulheres, direitos ainda não conquistados, pesquisas médicas sobre o corpo feminino que ainda não foram realizadas. Nós não enxergamos isso porque não estamos treinadas a olhar”, explica.
Ortolan chama a atenção para o que o machismo causa, já que a opressão pode desencadear problemas emocionais, cognitivos e comportamentais, como estresse pós-traumático, depressão, crise de pânico e outros transtornos psicológicos, além da própria violência física.
O abuso psicológico é o mais difícil de ser identificado, já que pode agir dentro das sutilezas. A violência psicológica faz vítimas todos os anos, o grande problema é que a vítima à vezes demora anos para perceber que está dentro de um relacionamento abusivo, que está sendo minimizada ou tendo sua liberdade e vontades diminuídas.
Como citamos anteriormente, o gaslighting, manspalining, bropriating e manterrupting acontecem mais do que imaginamos. É preciso ficar atento, sendo homem ou mulher, para não perpetuar essas práticas machistas, inimigas da igualdade e liberdade.
Quando uma mulher é oprimida, calada, manipulada psicologicamente e emocionalmente, diversos problemas são gerados. A baixa autoestima, depressão, crises de ansiedade e até síndrome do pânico costumam aparecer e piorar ainda mias o abuso sofrido.
Muitas mulheres não têm conhecimento que esse tipo de violência existe, o que faz com que esses comportamentos sejam entendidos como “normais”.
Um relacionamento abusivo pode deteriorar as condições psicológicas da vítima se mantido por um longo período, essa pessoa pode não conseguir encontrar uma saída para terminar a relação, ou ainda acreditar que uma mudança é possível e ela conseguirá fazer isso por conta própria. Rebaixamento, desprezo, pouca autoestima e principalmente medo de não conseguir seguir em frente, esses são os sintomas mais frequentes de quem adquire este trauma em sua vida.
Confira 5 sinais de um relacionamento abusivo!
Ortolan orienta que as práticas profissionais da psicologia “devem olhar para as mulheres como sujeitos que passam por essa opressão social e devem buscar o empoderamento feminino, além de orientar os pacientes sobre uma educação igualitária”.
O machismo afeta os homens
O homem machista e a psicologia foram tema da pesquisa realizada pela Associação Americana de Psicologia, publicada no “Journal of Counseling Psychology”. O estudo rastreou a conexão entre o comportamento sexista e as doenças psicológicas. O resultado provou que homens cujo comportamento envolve sentirem-se poderosos sobre as mulheres ou serem playboys promíscuos, possuem mais chances de desenvolverem problemas mentais do que homens com atitudes menos sexistas.
A análise encontrou conexões entre o comportamento sexista e transtornos mentais como depressão e abuso de substâncias. “Algumas dessas normas masculinas sexistas, como ser um playboy e se sentir poderoso sobre as mulheres, não são apenas uma injustiça social, mas elas também são potencialmente ruins para a saúde mental”, explica o líder do estudo Y. Joel Wong, PhD da Indiana University Bloomington,
A pesquisa traçou o perfil desse homem propenso às doenças mentais como consequência de uma sociedade machista: “são homens que não se sentem confortáveis para pedir informações quando estão perdidos, esse é o exemplo clássico de autossuficiência”, disse Wong. Não procurar ajuda psicológica e entender que os transtornos mentais são sinais de fraqueza apenas contribuem para que o problema seja perpetuado. A luta feminista não é para favorecer a mulher, e sim a igualdade de gêneros, o que significa salvar o homem do machismo, mesmo que seja ele o principal sujeito compartilhador desse comportamento.