Primeiro, o susto. Depois, a ficha teima em cair, mas quando cai, o desespero toma conta. Em “Juno”, filme ganhador de diversos prêmios, a adolescente, personagem principal da história e que dá nome ao longa, precisa fazer três testes de gravidez para ter certeza de que o resultado positivo não era engano. O filme foi lançado em 2008 e teve grande repercussão entre o público jovem e entre professores, psicólogos e outros profissionais cuja missão é alertar e educar sobre os perigos de uma gravidez precoce e não planejada.
“Juno” não se resume somente à ficção pois a história se repete no mundo inteiro. No Brasil, a gravidez na adolescência ainda é a raiz de muitos problemas de ordem social, econômica e psicológica. Segundo dados da ONU, “um em cada cinco bebês que nascem no Brasil é filho de mãe adolescente. Entre estas, de cada cinco, três não trabalham nem estudam; sete em cada dez são afrodescendentes e aproximadamente a metade mora na região Nordeste.”
Essa frase é fundamental para entendermos que as consequências da gravidez na adolescência atingem diversos pontos importantes da vida da mulher, da família e da sociedade como um todo. Para compreender o impacto psicológico que essa gestação precoce cria, nutre e se enraíza, devemos traçar o panorama socioeconômico que é o pano de fundo para os problemas e doenças de saúde mental nesse tema.
O desafio de uma gravidez indesejada na adolescência
Enfrentar uma gravidez indesejada na adolescência é um grande desafio em vários sentidos. Primeiro, a mulher é julgada pelos familiares, pela sociedade e por ela mesma. A grande maioria ainda precisa lidar com o abandono parental, uma realidade que, segundo estatísticas divulgadas em 2015 pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), já atinge cerca de 1 milhão de famílias. Esse julgamento, autocrítica, frustração e solidão mexem com o emocional dessa menina que precisou virar mulher do dia para a noite.
A adolescência corresponde à fase da vida em que a personalidade e o senso crítico estão começando a se formar. É nesse período que as primeiras experiências começam e despertam os mais variados sentimentos, moldando planos e sonhos. Seja para a menina com poder socioeconômico ou para aquela que pertence à classe menos privilegiada, os sentimentos citados acima, como o julgamento e a solidão, são os mesmos. Porém, aquela menina que não tem renda, família bem estruturada, oportunidades e acesso aos mais variados tipos de serviços, tende a ter muito mais obstáculos.
Entre essas meninas que pertencem às classes mais baixas da sociedade, o planejamento familiar é algo muito distante, já que pecamos com a educação e o acesso à saúde nos lugares mais pobres. Isso, consequentemente, resulta na falta de informação e planejamento. “A desigualdade enfrentada pelas mulheres mais pobres no acesso a serviços de saúde, onde apenas algumas privilegiadas conseguem planejar sua vida reprodutiva, reflete-se na incapacidade de desenvolver habilidades para integrar a força de trabalho remunerado e alcançar poder econômico”, aponta a ONU.
Aspectos psicológicos da gravidez na adolescência
Bruna de Lira Soares Faria engravidou aos 18 anos. Na época, ela cursava o 1º ano da faculdade de Letras e tinha muitos planos que tiveram que esperar.
“A descoberta da gravidez foi assustadora, principalmente pelo fato de que, após a descoberta, o pai decidiu não estar presente. Foram meses difíceis e solitários. Eu estava assustada e cheia de medos, mas os cuidados dos meus pais, o amor e ajuda financeira fez com que o tempo passasse e eu pudesse perceber que não ter um pai para a minha bebê seria algo a ser superado com muito amor”, explica.
Mesmo tendo o apoio dos pais, Bruna teve que enfrentar os olhares tortos, o julgamento, o abandono e colocar os sonhos de lado por um tempo. Diferentemente de Bruna, algumas meninas não têm o apoio da família e precisam enfrentar sozinhas o medo e insegurança que a gravidez desperta. Toda mulher grávida pensa na vida que terá quando o filho nascer, na dor do parto, se será uma boa mãe e mais uma sorte de outras angústias. Imagine, agora, sentir tudo isso sozinha? Quando as angústias se tornam grandes demais, tanto com apoio ou sem, elas podem ser gatilhos para transtornos psicológicos crescerem.
Estresse, depressão e ansiedade são problemas sérios e que podem prejudicar a formação do bebê e causar problemas para o resto da vida. Uma pesquisa publicada pela JAMA Pediatrics afirma que sintomas depressivos e/ou ansiosos das mães influenciam diretamente a densidade da substância branca das crianças. Essa importante região é responsável pelas conexões nervosas cerebrais. A depressão é duas vezes mais frequente nas mulheres. Uma das explicações para esse fenômeno são as alterações hormonais que acontecem durante os ciclos de menstruação e após menopausa.
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A Revista de Escola de Enfermagem da USP (2017) aponta que, em estudos internacionais e nacionais, o “as evidências sugerem que a probabilidade de sofrer ansiedade na gravidez aumenta em caso de comorbidade psiquiátrica, eventos estressantes, desvantagem social, histórico de aborto espontâneo, morte fetal, parto prematuro ou morte neonatal precoce, histórico prévio de doença mental e uma história de tratamento psiquiátrico durante uma gravidez anterior ou em qualquer momento da vida”.
A designer Nadji Silva, hoje com 30 anos, morava com a mãe quando engravidou do Miguel aos 18 anos. Ela cursava o primeiro ano da faculdade e precisou se virar sozinha, pois a mãe não havia aceitado ainda o que estava acontecendo. Além do julgamento, solidão, ansiedade e estresse, ela precisou enfrentar o resto do mundo.
“Quando você engravida e é mãe nova, todo mundo te julga, até nós mesmas! “Que tipo de garota, sou eu? Como foi acontecer isso comigo? Olha o que eu fiz com minha vida! Não vou ser capaz de cuidar de uma criança, não agora!”. Enfim, um milhão de coisas passam na cabeça e infelizmente nos responsabilizamos muito, nos sentimos culpadas de ter permitido que esse tipo de coisas aconteçam em nossas vidas, principalmente quando não é planejado”.
Além dos transtornos psicológicos já mencionados, a mulher que engravida na adolescência sem planejar têm maior dificuldade em conciliar ou continuar os estudos, principalmente nas camadas mais pobres da sociedade, o que faz com que elas não tenham um nível de escolaridade bom para serem inseridas no mercado de trabalho, e, consequentemente, possuam menos renda, oportunidade e motivação. A autoestima também é colocada em xeque, já que sem as oportunidades e possibilidades de evolução pessoal e material, elas fiquem totalmente conectadas aos filhos e sejam as provedoras da casa pois, como mencionamos anteriormente, o abandono parental é muito comum.
A prevenção da gravidez na adolescência é fundamental para que todos esses problemas sejam evitados, além dos riscos à saúde física, já que o aborto, prematuridade, desnutrição, má formação, entre outros problemas. As complicações da gravidez na adolescência não se resumem somente a uma mulher precisar cuidar de um filho muito cedo, mas sim de todos esses desdobramentos aqui abordados que geram mulheres com o psicológico e a saúde física abalados.