A famosa polêmica envolvendo um beijo gay censurado na novela da Globo “América”, em 2005, só refletiu o preconceito da sociedade com os casais homoafetivos.  Foi somente em 2013, oito anos depois, que a novela “Amor À Vida” mostrou a cena do casal homoafetivo Félix (Mateus Solano) e Niko (Thiago Fragoso) demonstrando seu amor através de um beijo. Um simples beijo. Por que a sociedade ainda condena a demonstração de afeto por quem se ama? Por que preferem assistir violência e discurso de ódio a um simples beijo?

Em pleno século 21, em 2019, os casais homoafetivos ainda sentem na pele o impacto que o preconceito traz. Dados publicados pelo UOL e tabulados por Julio Pinheiro Cardia, ex-coordenador da Diretoria de Promoção dos Direitos LGBT do Ministério dos Direitos Humanos, mostram que 8.027 pessoas LGBTs foram assassinadas no Brasil entre 1963 e 2018 por conta do preconceito. Isso só mostra o quanto ainda precisamos progredir e lutar contra esse tipo de violência.

Andar de mãos dadas na rua, se beijar durante um jantar romântico ou abraçar quem ama: isso pode parecer simples e normal para quem vive um relacionamento heterossexual, mas para quem é LGBTQIA+ , um simples toque, um simples beijo ou um simples abraço, desperta olhares tortos, ofensas e, em muitos casos, a agressão física, como citado anteriormente no relatório de mortes por homofobia.

Desafios enfrentados pelo casal homoafetivo

Nada é simples na vida do casal homoafetivo. Embora ele saiba que será difícil, que terá preconceito e que nem todo mundo irá aceitar, a dor só chega quando as situações negativas acontecem. Esse foi o caso de  Fernando Alcântara de Figueiredo e Laci Marinho de Araújo, casal que se conheceu no Exército Brasileiro e enfrentou uma série de problemas ao assumirem o relacionamento.

É que no Código Penal Militar datado de 1969, na época que o casal assumiu, ainda constava o Artigo 235, que tratava como crime sexual a “pederastia ou outro ato de libidinagem” e estabelecia pena de detenção de seis meses a um ano ao “militar que praticar ou permitir que com ele se pratique ato libidinoso, homossexual ou não, em lugar sujeito a administração militar”. Após a reportagem da Revista Época contando a história dos dois militares, ameaças, xingamentos e até mandatos de prisão apareceram para ambos.

Segundo reportagem da Época, “em 2009, o casal fundou o Instituto Ser de Direitos Humanos e da Natureza, que trabalha com outros casos de preconceito no Exército. Os dois pediram aposentadoria do Exército em 2011, mas só obtiveram o benefício parcial. Com dificuldades financeiras, o casal luta na Justiça para conseguir a aposentadoria integral. Em 2011, o STF equiparou os direitos entre casais heterossexuais e homoafetivos. Com base nisso, em 2013, a Justiça Federal de Pernambuco determinou que o Exército reconhecesse o companheiro de um sargento como dependente. Em 2015, o STF determinou a retirada dos termos “pederastia” e “homossexual” do Código Penal Militar”.

Há milhares de casais ainda buscando o equilíbrio, leis e proteção. Sem contar no respeito, algo que ainda falta em todos os âmbitos.  

Casal homoafetivo: relacionamento com familiares e amigos

Assumir um relacionamento homoafetivo para a família e para os amigos é um momento bastante delicado e que gera muita ansiedade. Muitos podem não compreender e até expulsar o(a) filho(a) de casa, uma realidade que, infelizmente, é a mais comum. É muito difícil lidar com a rejeição do seu círculo de amigos e família, por isso, muitos casais tentam esconder o relacionamento.

Quando a redatora publicitária Juliana Viveiros, de 23 anos, começou o seu relacionamento com a estudante de filosofia, Sabrina, ela preferiu manter o sentimento trancado dentro dela. “Eu escondi o máximo possível e meus pais descobriram por conta de uma conversa que deixei aberta com uma amiga, onde eu contava todo o meu sentimento e o que realmente achei que era”, explica a publicitária. Assim como Juliana, muitas pessoas se sentem inseguras e com medo da recepção da notícia por parte daqueles que amam.

O jornalista Diego Nery, 29 anos,  hoje em dia não esconde mais os seus relacionamentos, mas sabe como ninguém que existe uma grande responsabilidade e coragem ao se assumir. “O maior desafio foi ter liberdade de sermos quem nós éramos”, conta acerca do último relacionamento, um casamento que durou 8 anos. “Casais heterossexuais têm o livre arbítrio de andar de mãos dadas, dar um beijo na rua, se olhar,  ter um momento de carinho sem nenhuma preocupação ou medo de ser morto por estarem simplesmente fazendo aquilo”, aponta o jornalista.

A constituição de família para os casais homoafetivos

Casar, ter filhos, constituir família e envelhecer. Essa é a base na qual a sociedade se sustenta há anos e tudo é muito mais simples no universo heterossexual. Mas e os casais homoafetivos? Para eles, as coisas são mais complicadas, já que o processo de adoção por casais homoafetivos e o casamento ainda é lento e os olhares são preconceituosos.

O ideal de família é aquele no qual você se sente respeitado e seguro por onde você estiver, mas não só por aqueles que te criaram, mas para toda sociedade. Hoje, estamos em um processo de muito anos de ódio e violência por conta de fatores governamentais e religiosos, mas temos que pensar que antes de tudo somos humanos, somos seres iguais a outros seres humanos. A orientação que foi designada a nós quando nascemos não irá interferir na de quem nasceu heterossexual. Não queremos roubar o privilégio dos heterossexuais, queremos ter uma pequena porcentagem, aquela de sair tranquilamente sem sofrer nada. Então, família ideal para o futuro é ser uma família”, desabafa Diego.

Para Juliana, as coisas ainda são mais complicadas pois, pelo fato de ser mulher, a cobrança da sociedade machista ainda é alta. “Família é onde os meus filhos estarão, não importa com quem, onde ou quando. Meu maior sonho é ser mãe, por isso onde meus filhos estiverem, este será meu ponto de família. E hoje, eu tenho a família dos meus sonhos, que é meu ideal também: Minha esposa e meus três gatos”, conta a redatora.

As demonstrações públicas de afeto

“Lembro de uma vez estar com meu ex de mãos dadas andando pela rua onde morávamos e algumas pessoas começaram a gritar para alguém nos atacar. Foi um momento meio constrangedor, não consegui dar as mãos para alguém durante um tempo. Hoje eu sou mais despreocupado com isso, principalmente onde eu moro, mas em algumas regiões eu não consigo demonstrar afeto com alguém do mesmo sexo, porque pode dar ruim”, conta Diego. O medo e alerta constantes fazem parte da rotina do casal homoafetivo.

Juliana também sente as dificuldades que o preconceito traz no seu dia a dia. “É difícil ver outros casais enfrentando uma vida “normal” perante a família e a rotina em geral, e minha vida ser totalmente diferente. Isso me atrapalhou emocionalmente por diversos anos de minha vida, mas com pequenos passos é possível resgatar a paciência e, principalmente, a compreensão de que cada vida é única e possui aspectos também únicos e que ninguém terá os mesmos privilégios que ninguém”, aponta.

Ainda temos muito o que evoluir como sociedade. Ter mais empatia e deixar o julgamento de lado, afinal, quem somos nós para dizer quem o outro pode ou não pode amar? Temos de amar ao próximo e respeitar sua essência. O impacto psicológico que o preconceito e a violência geram nessas pessoas é pesado demais! O apoio psicológico ao casal homoafetivo é essencial para que eles entendam como agir diante de situações desagradáveis e não internalizarem esses episódios, para, assim, não desenvolverem transtornos psicológicos e traumas. Um dia, quem sabe, conseguiremos caminhar por um caminho com mais amor e tolerância.

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