47.460. Esse é o número de crianças e adolescentes que vivem em abrigos no Brasil. Os dados do final de 2017 são do Conselho Nacional de Justiça. Entretanto, o que chama mais a atenção desses dados é que somente 17,8% deles estão aptos para a adoção e, consequentemente, encontrar uma nova família.

Segundo informações do Cadastro Nacional de Adoção de 2018, 8.599 possuem os devidos registros para serem adotados. Porém, esse número só não é menor por conta da burocracia e do perfil dessas crianças e adolescentes. Por exemplo, 77,79% só aceitam crianças até 5 anos.

Mesmo o número de pretendentes (43.644) sendo cinco vezes maior do que o número de pessoas aptas a serem adotadas, permanece um contingente na espera de um reduto familiar. Nesse contexto, a adoção por casais homoafetivos vem ganhando força nos últimos anos. Em países como Estados Unidos e Escócia, o número aumentou drasticamente.

No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) identificou 60 mil casais homoafetivos vivendo junto no país no Censo de 2010. E, a primeira adoção por casal homoafetivo no Brasil ocorreu somente em 2005, na cidade de Catanduvas (SP).

Em entrevista para a revista Crescer, a terapeuta em orientação sexual e presidente da Associação Brasileira de Pais e Mães Homossexuais, Edith Modesto comentou que a adoção homoafetiva é benéfica por vários motivos.

“Na hora da adoção, por exemplo, eles não fazem as exigências que normalmente são feitas por outros casais, como idade, cor ou sexo. Afinal quem já sofreu a discriminação na própria pele, não quer que uma criança passe por isso”, afirma a terapeuta.

Termos legais da adoção homoafetiva

Afinal, existe alguma lei de adoção por casal homoafetivo? Não, mas também não existe nenhum impedimento para a adoção homoafetiva no Brasil. O que é possível observar no ordenamento jurídico brasileiro é uma regulamentação geral e ampla.

Então, para realizar a adoção é necessário seguir alguns requisitos necessários presentes no Estatuto da Criança e do Adolescente. Além dos estudos e testes que serão feitos com os candidatos durante o processo de adoção, é possível observar algumas exigências:

  1. Ter, no mínimo, 18 anos de idade. Independe o estado civil da pessoa, o que indica que solteiros também conseguem adotar;
  2. Possuir uma diferença de pelo menos 16 anos em relação ao adotado;
  3. Não ser irmão ou ascendente da pessoa que será adotada; e
  4. Nas adoções feitas em conjunto por duas pessoas, é preciso que elas sejam casadas ou possuam união estável.

Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu o direito civil à união estável entre pessoas do mesmo sexo, isso significa que essa decisão tem repercussão em todas as áreas da vida civil dos indivíduos. Dessa forma, não é passível de restrições discriminatórias e, sendo assim, fica garantida a adoção por casal homoafetivo pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Desinformação e preconceito

“Quais são as consequências à criança se ela for criada por gays?”. Essa é a primeira pergunta que pode surgir na cabeça das pessoas. Seja um pensamento inocente ou preconceituoso ele acaba acontecendo, pois as pessoas ainda não estão acostumadas com isso. Aliás, estudos indicam que praticamente não há mudanças na personalidade das crianças que foram criadas por pais gays e héteros.

Nesse sentido, a professora de psiquiatria da Universidade da Virginia, Charlotte Patterson, em matéria da Superinterresante, explica “as pesquisas mostram que a orientação sexual dos pais parece ter muito pouco a ver com com o desenvolvimento da criança ou com as habilidades de ser pai. Filhos de mães lésbicas ou pais gays se desenvolvem da mesma maneira que crianças de pais heterossexuais”.

Entretanto, o preconceito parece reger parte da sociedade. Na mesma época da decisão do STF sobre a união estável homoafetiva, o IBOPE realizou uma pesquisa no qual constatou que 55% da população brasileira ainda era contra ela. Além disso, essa parcela também não concordava com o direito à adoção por homoafetivos no Brasil.

Sobre o assunto, o Centro Médico Tufts de Boston realizou um estudo para compreender o estigma social em pais homoafetivos. A pesquisa, realizada com 732 pais gays, constatou que dois terços deles sofrem preconceito e são discriminados por conta de sua orientação sexual.

Impacto psicológico e  a importância da terapia

“Quando pequenos, são bem resolvidos. Porém, na pré-adolescência surgem os problemas e eles podem até começar a se esconder, a renegar a família”. O relato é de Jéssica Gutierrez. Ela e a companheira já cansaram de ouvir que a sua homossexualidade é mau exemplo para a filha.

Esse é somente um dos vários casos de discriminação. A escola, por exemplo, é outro espaço que os pais homoafetivos sofrem. O preconceito dos outros pais, muitas vezes, é tão forte que internalizam esse sentimento nos próprios filhos, o que gera conflitos dentro do ambiente escolar.

A adoção de crianças por casais homoafetivos com certeza têm os seus benefícios, afinal, retira pessoas de situações de vulnerabilidade social. Entretanto, o novo núcleo familiar deve saber que ainda terá que enfrentar preconceitos. E lidar com eles pode não ser tão fácil quanto parece.

Desconforto, exclusão e humilhação. Os preconceitos viram ataques e ferem o psicológico. Afetam a autoestima e prejudicam a noção de identidade do indivíduo. Isto é ainda mais complicado na adolescência com a ebulição de ideias e consolidação da personalidade.

Para tal, o acompanhamento psicológico torna-se fundamental. A terapia possui o papel de ajudar o indivíduo a compreender melhor os seus próprios comportamentos. Dessa forma, será possível entender a explosão de sentimentos e trabalhar reservas mentais para casos mais extremos.

A adoção por casal homoafetivo no Brasil é um marco importante. O afeto é o principal componente da formação do núcleo familiar e imprescindível para o sucesso da adoção.  Nesse sentido, será também um aliado importante na luta contra os preconceitos, porém, o acompanhamento psicológico ajuda a lidar melhor com as situações desconfortáveis.

1 COMENTÁRIO

  1. A adoção por casais homoafetivos, a questão mais delicada é na separação. Não li quanto a lésbicas, mas li relatos quanto aos gays, que mencionam que uma das partes mantém a adoção para não haver “devolução” da criança, por ocasião da separação do casal! Como trata-se de União Estável e não casamento, isto é, com menos obrigações conjugais, muitas vezes, há quem “desista” da paternidade! Quem sabe deva a legislação de adoção, ser alterada, trazendo obrigações iguais aos adotantes, em relações homoafetivas, para se equipararem ao casal adotante hetero!

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