No começo, ela esquecia uma coisa ou outra: chaves, direções, aniversários… Achávamos até engraçado. “Afinal, quem nunca fez isso?”. Depois, surgiram os problemas na fala. Nem conseguia manter direito uma conversa. “É a idade chegando”, pensávamos. No final, não lembrava nem quem éramos e não podia sair sozinha de casa. “Ah, mas ela estava tão bem”, era o que mais escutávamos.
Esse relato pode se encaixar no cotidiano de diversas famílias. Os sinais de demência são mínimos no início. Classificações como demência de Alzheimer ou demência com corpos de Lewy, nem passam pela cabeça dos familiares. Entretanto, uma pequena desatenção pode agravar severamente a situação.
Os cuidados são necessários, principalmente com a demência na terceira idade. Quanto mais a síndrome avança, maior é o tempo despendido. A família também passa por um processo de transformação com a condição.
O peso na família cuidadora
A demência é uma síndrome que afeta a capacidade cognitiva do indivíduo. Dessa forma, apesar de atuar de forma lenta, ela impossibilita a pessoa de realizar diversas atividades consideradas simples, como cozinhar e dirigir.
Sendo assim, a família de pessoas com demência aparece como uma figura fundamental, pois é ela que, geralmente, adota uma postura para tomar conta dessa pessoa. Os cuidados não são fáceis, pois será necessário muito esforço e tempo para realizar as necessidades de quem está com demência.
Sobre o assunto, o artigo “Doença de Alzheimer: o que muda na vida do familiar cuidador?” procurou elucidar melhor esse tema. De acordo com os relatos obtidos, percebeu-se uma sobrecarga física e emocional nos cuidadores, principalmente porque eles não contam com outras membros da família para dividir as responsabilidades.
“Destaca-se também que, como conseqüência de assumir essa função, várias áreas de sua vida foram afetadas (social, afetiva, profissional, saúde física e emocional), o que, muitas vezes, exigiu renunciar ou adiar seus próprios projetos de vida”, relatou o estudo.
Na mesma linha, o artigo “Cuidadores familiares de pessoas com demência” chegou em conclusões semelhantes. “Os efeitos (…) são geralmente negativos, com altas taxas de sobrecarga e morbidade psicológica, bem como isolamento social, problemas físicos e dificuldades financeiras”.
Entretanto, a pesquisa também procurou solucionar a questão. Segundo os autores, intervenções psicossociais têm demonstrado reduzir a sobrecarga e depressão do cuidador familiar. Além disso, essa medida foi responsável por adiar a internação em lares de idosos.
Nesse sentido, a Associação Britânica de Psicologia levantou alguns números sobre a relação da família de pessoas com demência:
– 61% dos cuidadores relataram que sua saúde piorou;
– Cerca de metade dos cuidadores primários experimentam altos níveis de sobrecarga;
– De 22 a 33% dos cuidadores relatam níveis significativos de depressão;
– Quase três quartos dos cuidadores relatam luto por perdas, incluindo perda de intimidade e perda de papéis passados com a pessoa com demência.
Leia também em nosso blog: os sintomas de demência
Importância do acompanhamento psicológico para a família de pessoas com demência
Compreender o que é demência não é fácil. As mudanças, como vimos, geralmente, trazem consequências negativas para a família. Porém, isso significa que é necessário compreender o que está acontecendo para poder lidar melhor com a situação. Por estarmos tratando de vários problemas de ordem mental, o acompanhamento psicológico é recomendado.
A Associação Britânica de Psicologia, então, realizou um levantamento sobre o tema. Nele, apontou que intervenções psicológicas para cuidadores podem ser eficazes na produção de resultados positivos.
“Programas psicoeducacionais, treinamento de habilidades, aconselhamento individual e familiar, terapias comportamentais cognitivas e programas de múltiplos componentes podem reduzir o estresse do cuidador”, complementa o levantamento.
Contudo, é necessário compreender o papel do psicólogo na questão. Ele ajudará a família a compreender o novo papel dela em relação a pessoa com demência. É necessário trabalhar essa resignificação para poder lidar corretamente com o indivíduo.
A terapia é um local importante para entender mais sobre a própria síndrome e as limitações que dela incorrem. Além disso, funciona como um espaço em que as pessoas podem falar sobre as frustrações e ocorrências que as afligem.
O acompanhamento psicológico também atua no desenvolvimento das faculdades mentais. A paciência é importante no trato de pessoas com demência. Então, por mais difícil que seja a situação, ela ajudará a pessoa a entender o que está acontecendo e como lidar melhor com ela.
O trabalho com o psicólogo será responsável por ajudar os familiares na adaptação da nova rotina. Ainda, é importante que as pessoas não tratem o indivíduo com demência como inválido. Não é preciso apagar os bons momentos da memória por conta dessa situação.