Nossa sociedade contemporânea se caracteriza pela volatilidade, competitividade, individualidade, rapidez e mudança, além der ser facilmente modulável e ajustável aos sistemas de poder que a controlam. E envelhecer não é muito bem visto.

Sendo assim, existe preconceito contra aqueles que não são moldáveis, rápidos e flexíveis. O corpo idealizado produzido pela sociedade de controle é o corpo sarado, magro, “bonito”, independente, sempre jovem e “saudável”. Nesse sentido, o idoso costuma sofrer o estigma daquele que é lento, rígido, sistemático, metódico, dependente e inflexível.

O envelhecimento perante a sociedade

Os meios de comunicação estão todos interligados, o que facilita o controle maior das pessoas. Especialistas de diversos setores do conhecimento, especialmente da área da moda, saúde e estética, irão recomendar como se deve agir, comer, dormir, exercitar, relaxar, trabalhar, namorar, vestir, viajar, planejar, investir, comprar, interagir, rezar, sentir e viver para atingir tal qualidade desejável de vida.

O mercado de bens de consumo, que explora o corpo, associa valores subjetivos a valores estéticos. Dessa forma, desenvolve e dissemina mensagens em que a beleza externa nada mais é do que um reflexo direto da existência de uma beleza interna correspondente.

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Além disso, a associação feita pela propaganda entre o cuidado com o corpo e a sexualidade humana provoca nas pessoas excesso de autoerotismo, narcisismo, individualismo, competitividade, sensualidade e hedonismo.

Os veículos de comunicação propagam valores positivos que são agregados ao mundo daqueles que conseguem atingir determinado padrão de beleza estabelecido. Dimensões tipicamente humanas como passagem do tempo, velhice, infortúnios, doenças, sofrimento, conflitos e mortes não encontrariam formas de se expressar em um mundo de tamanha beleza.

As promessas da estética perfeita

A propaganda moral-estética da vida promete que a melhora de aspectos emocionais acontece à medida que há melhora dos aspectos físicos. As tais políticas preventivas de saúde, em nome do bem estar e da beleza, são desenvolvidas e disseminadas em alta escala – o que gera altos lucros.

Sendo assim, a busca obsessiva pela estética perfeita, que envolve investimento financeiro e disciplina, é apresentada ao público como sinônimo de amor próprio e aumento da autoestima da pessoa.

Porém, a proliferação de produtos de beleza se tornou um mercado altamente promissor e lucrativo. O sujeito é estimulado pela propaganda a sentir prazer ao cuidar do próprio corpo. Isso acontece, pois à medida que isso é feito, ele é impelido a acreditar que qualidades espirituais da sua alma estão sendo automaticamente desenvolvidas e aprimoradas.

A questão do envelhecer

Os idosos estão sendo estimulados a viver melhor, em maior número e por mais tempo. A velhice está recebendo atenção enquanto coletivo. A velhice é considerada o período do processo de vida em que a saúde e a longevidade se tornam mais ameaçadas pela morte, ou seja, a maior inimiga do biopoder.

O biopoder consiste, basicamente, num conjunto de práticas que buscam exercer o controle dos indivíduos e da população a partir do dado biológico humano. Por causa disso, o idoso acaba sofrendo investimento significativo do biopoder para que sua vida seja mais longeva e saudável.

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O biopoder manipula as pessoas pelo medo que elas têm da decrepitude e da morte. Ele lida com o nosso instinto de preservação que, no geral, é bem forte. Velhice, inutilidade, dependência, feiura, decrepitude, doença, gastos e morte são diretamente associados por crenças populares.

Portanto, é comum encontrar idosos que adotam um “estilo jovem”. Isso acontece, pois eles veem nessa postura de ser uma forma de melhor reconhecimento perante os demais, uma vez que passam a corresponder com as exigências sociais.

Sendo assim, nomes como “melhor idade”, “terceira idade” e “maior idade” são formas de tornar a velhice e o envelhecimento, etapas produtivas, consumistas, felizes e contínuas da vida. O que é diferente da imagem clássica do envelhecer que foi associada à decrepitude, doença, inutilidade, dependência, prejuízos e à morte.

O mapeamento da velhice

Dessa forma, é necessário o mapeamento da vida em seus mínimos detalhes para evitar tudo aquilo que seja considerado arriscado, aleatório e ameaçador. As estatísticas de morte sempre serão mostradas com uma solução para evitá-las.

Envelhecer e morrer representa escapar completamente das biopolíticas. Aquilo que escapa a tais domínios deverá ser identificado, nomeado, pesquisado, disciplinado e corrigido através de uma terapêutica adotada.

Nesse sentido, é preciso conhecer os detalhes para poder controlar e evitar melhor os riscos. Variáveis se tornam objeto de estudo. E uma vez estudadas e conhecidas serão facilmente dominadas e corrigidas.

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Desde que me formei em Psicologia em 2002, já iniciei meus atendimentos em consultório, onde estou até hoje. Logo em seguida fiz cursos na área clínica em Gestalt-Terapia e Psicoterapia Existencial. Dediquei-me também aos estudos de mestrado e doutorado voltados a Psicologia Social, Sexualidade e Envelhecimento. Além disso, sou plantonista voluntário do Centro de Valorização da Vida (CVV) desde 1998, prestando apoio emocional, psíquico e prevenção do suicídio. É importante mencionar que atuei cinco anos como Psicólogo Clínico no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP. Quando solicitado, palestro em escolas, ONGs, etc. Em 2013 lancei o livro "Travestis Envelhecem?" e em 2017 o meu segundo, intitulado "Homofobia Internalizada: o preconceito do homossexual contra si mesmo" ambos pela editora Annablume. Atuo como Psicólogo voluntário em uma ONG que presta amparo ao LGBTQIAP + idoso dentre outras. Também leciono no Centro Universitário São Roque. Atendimento a partir dos 18 anos de idade.

1 COMENTÁRIO

  1. Algo que não podemos esquecer que tudo começa na mente e, geralmente as pessoas tendem a perpetuar formas de pensar que não fazem mais sentido. Minha vó materna tinha esse hábito e minha irmã mais velha, “herdou”: acordar cedo e almoçar ao meia dia: será que faz sentido num momento da vida que não se tem mais “agendas diárias”? No mais, manter a mente jovem, ajuda a gente conviver com a dor, evitando o protagonismo dela! Quando leio da existência de clínicas que medicam sempre os pacientes das mais variadas dores, imagino como está o emocional dessas pessoas, onde presumo que acompanhamento com psicólogo e/ou psiquiatra devesse ser a prioridade terapêutica! Me lembro do meu tio, que em consulta ouviu do médico depois dele se inteirar dos exames: “Quando que esse paciente faleceu?”, ao que meu tio respondeu: “o morto sou eu doutor”! O médico, claro que tratou de prepara-lo para a cirurgia cardíaca! O otimismo do meu tio, levando sempre a vida na esportiva, mesmo sendo motorista de ambulância em que os segundos fazem toda a diferença, mas como disse o médico a ele, parafraseando: “o senhor sabe se dirigir, muito bem, também”!

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