Calcula-se que a cada 3 segundos uma pessoa tenta se matar no mundo. No Brasil, estima-se que a cada 45 minutos uma pessoa comete o ato de suicídio. Dessa forma, muitas vezes, quem encontra o corpo da pessoa já desacordado são seus entes e familiares, por isso, além das praticas de prevenção ao suicídio, também precisamos falar sobre a posvenção.

Perder uma pessoa querida causa um turbilhão de sentimentos, entre eles a dor e a raiva. No entanto, quando a morte é por suicídio, o luto pode se tornar ainda mais devastador e complicado.

No nosso país calcula-se que umas 11.700 pessoas se suicidam por ano, ou seja, de 70 a 117 mil pessoas são afetadas diretamente pelo fenômeno quando ele ocorre.

A história de Mike Emme

Em setembro de 1994, no estado do Colorado, Estados Unidos, o jovem de 17 anos, Mike Emme cometeu suicídio. Ele tinha um Ford Mustang, ano 1968, amarelo, que foi restaurado por ele mesmo. Carros antigos eram seu hobby, uma verdadeira preciosidade. 

Certa noite, seus pais chegaram em casa e o encontraram morto dentro do veículo. O rapaz havia atirado na própria cabeça minutos antes. Seus pais, familiares e amigos nunca perceberam algo de anormal, pelo contrário, o jovem era descrito como alegre e bom.

No dia do seu velório, decidiram distribuir cartões amarrados em fitas amarelas com frases de apoio e estímulo para pessoas que pudessem estar enfrentando problemas emocionais e psicológicos. A ideia acabou desencadeando um movimento de prevenção ao suicídio que hoje conhecemos como Setembro Amarelo. 

No entanto, essa história pode servir como um exemplo para duas pautas: a necessidade de saber identificar sinais suicidas em quem é próximo de nós e oferecer ajuda adequada, e a carência de movimentos e intervenções de posvenção para aqueles que lidam com a morte por suicídio de alguém próximo.

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O que é posvenção?

A posvenção é todo cuidado prestado aos sobreviventes enlutados por um suicídio. Seus objetivos associam-se ao cuidado emocional, à prevenção de possíveis complicações do processo de luto e também à promoção da saúde mental. 

Dessa forma, engloba ações, atividades, intervenções, grupos de apoio, tratamentos, suporte e assistência para pessoas impactadas por um suicídio. Estes por sua vez, são chamados sobreviventes enlutados, ou seja, todos os indivíduos afetados ou que tiveram a vida mudada por um suicídio.

Pais, filhos, irmãos, familiares, amigos, colegas, profissionais envolvidos na ocorrência da morte, demais membros da comunidade, todos eles podem ser alvos de uma intervenção de posvenção. 

No entanto, embora ainda pouco difundida no Brasil, a posvenção é uma ferramenta reconhecida mundialmente como um componente importante no cuidado da saúde mental dessas pessoas. 

O objetivo de uma posvenção 

A morte de alguém que amamos pode ser devastadora. Além disso, quando o falecimento se dá por um suicídio, o luto é ainda mais profundo. Aliás, pensamentos como “Eu poderia ter feito algo para evitar”, assolam o indivíduo por completo.

Visto isso, as posvenções possuem como objetivo trazer alívio dos efeitos relacionados com o sofrimento e a perda, prevenir o aparecimento de reações adversas e complicações do luto, minimizar o risco de comportamento suicida nos enlutados e promover resistência e enfrentamento em sobreviventes.

Alguns dos sentimentos e comportamentos comumente experienciados pelos sobreviventes impactados por aquele que se matou são: 

  • Culpa;
  • Vergonha;
  • Busca incessante do motivo;
  • Sentimentos intensos de responsabilidade;
  • Rejeição e abandono;
  • Maior dificuldade em dar sentido para a morte;
  • Auto acusações;
  • Isolamento e mudanças na dinâmica familiar. 

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A diferença entre um luto normal para um luto por suicídio

Estudos demonstram diferenças significativas na intensidade, duração do luto, aumento de sintomas depressivos e impacto no sistema familiar nos sobreviventes do suicídio se comparado com outras mortes violentas.

Isso acontece, porque, muitas vezes, amigos e familiares que, usualmente, dariam apoio e ajuda ao luto por outras causas, afastam-se e não sabem o que fazer, contribuindo ainda mais para a sensação de isolamento e abandono vivenciados pelos sobreviventes.

Dessa forma, sem ajuda apropriada, esses indivíduos, especialmente as crianças, podem experienciar um luto traumático e complicado. Logo, é muito importante prevenir, quebrar tabus, construir redes de apoio, tratar, falar sobre o assunto, desmistificar e trabalhar na posvenção e na prevenção do suicídio.

Por que alguém comete suicídio?

O suicídio é um ato de desespero. A pessoa que o comete, em geral quer acabar com a dor e o sofrimento. Logo, é uma crise de desespero que pode durar por volta de quinze minutos. Na mente do indivíduo, pode estar presente o pensamento de que o que está acontecendo é intolerável e sem saída. Há ainda, relatos de falta de amor e acolhimento. 

Nossa mente possui “amortecedores” reguladores, uma certa tendência à resiliência que não permite que a pessoa se mate. Porém, tal mecanismo pode falhar. Inclusive, pesquisa da UNESP de 2012 demonstrou que 36% de quem tenta o suicídio é portador de algum distúrbio emocional.

Aliás, os transtornos psiquiátricos que estão mais associados ao risco de suicídio são: 

  • Transtornos de humor (depressão maior, distimia e transtorno bipolar);
  • Psicoses (esquizofrenia, transtorno esquizoafetivo, transtornos delirantes);
  • Transtornos de ansiedade (transtorno de estresse pós-traumático, transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno de ansiedade generalizada);
  • Demências (como Alzheimer, demência vascular e mal de Parkinson);
  • Transtorno de personalidade (especialmente borderline, anti social, transtorno de personalidade histriônica e esquiva).

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A terapia como posvenção e prevenção ao suicídio

É preciso falar sobre a morte em geral, pois essa é a única certeza que temos da vida. Dessa forma, é necessário discutir sobre suicídio como forma de prevenção, assistência, tratamento e acolhimento para quem passa pelas tentativas e também para quem precisa lidar com pessoas que idealizam realizar a própria morte.

Suicídio não é brincadeira. Logo, a melhor forma para prevenir que alguém tente se suicidar é indicando tratamento psicológico. Contudo, tal alternativa, é também a melhor para as posvenções. Para quem passa por uma perda decorrente de suicídio o melhor jeito de superar,  entender e lidar com seus sentimentos é com a ajuda da terapia.

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Desde que me formei em Psicologia em 2002, já iniciei meus atendimentos em consultório, onde estou até hoje. Logo em seguida fiz cursos na área clínica em Gestalt-Terapia e Psicoterapia Existencial. Dediquei-me também aos estudos de mestrado e doutorado voltados a Psicologia Social, Sexualidade e Envelhecimento. Além disso, sou plantonista voluntário do Centro de Valorização da Vida (CVV) desde 1998, prestando apoio emocional, psíquico e prevenção do suicídio. É importante mencionar que atuei cinco anos como Psicólogo Clínico no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP. Quando solicitado, palestro em escolas, ONGs, etc. Em 2013 lancei o livro "Travestis Envelhecem?" e em 2017 o meu segundo, intitulado "Homofobia Internalizada: o preconceito do homossexual contra si mesmo" ambos pela editora Annablume. Atuo como Psicólogo voluntário em uma ONG que presta amparo ao LGBTQIAP + idoso dentre outras. Também leciono no Centro Universitário São Roque. Atendimento a partir dos 18 anos de idade.

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