Por que as pessoas com autismo têm mais dificuldade de se relacionarem?

Assim como todos que passam pela adolescência, período do turbilhão de emoções à flor da pele, o garoto Sam Gardner tem dificuldades em lidar com o sexo oposto, com as decisões para o futuro profissional e com os laços sociais. As primeiras experiências não são fáceis, mas para ele, a coisa fica ainda mais complicada pois está no espectro do autismo e tem alta funcionalidade.

A série da Netflix, Atypical, segue os passos do jovem Sam na jornada através da adolescência e do espectro do autismo, e explora como é a relação dele com os pais, melhor amigo, colegas de classe, professores, psicóloga e as garotas com quem deseja namorar.

“Sou um esquisito. É o que todos falam. Algumas vezes, não entendo o que os outros querem dizer e acabo me sentido sozinho, mesmo com várias pessoas ao meu redor. Só consigo me sentar e mexer os dedos, que é meu comportamento auto estimulante. Eu bato uma caneta em um elástico, em determinada frequência, e penso no que poderei fazer, como pesquisar pinguins na Antártida ou ter uma namorada”.

Atypical, Netflix

Pela definição do Manual MSD, “os transtornos do espectro autista (TEAs) são problemas nos quais as pessoas têm dificuldade em desenvolver relacionamentos sociais normais, usam linguagem de maneira anormal ou não a usam em absoluto e se comportam de maneiras compulsivas e ritualistas. Os transtornos do espectro autista (TEAs) são considerados um espectro de transtornos, porque as manifestações variam amplamente em tipo e gravidade”.

A maior dificuldade de Sam, na série, é conseguir reconhecer os sinais e moções das outras pessoas. A dificuldade em saber o que o outro quer exprimir com seu jeito, intonação, expressão facial é extremamente para ele que vive sob o espectro autista. Essa é uma das maiores barreiras que o autismo gera: problemas de cognição social.

Confira também nossa websérie sobre o autismo e entenda melhor sobre esse Espectro:

O que é cognição social?

cognição social é um conceito da psicologia que surgiu em meados dos anos 70 e se caracteriza pelo conjunto de habilidades que um indivíduo tem para perceber, interpretar, conhecer e prever os mais variados estímulos, gerando respostas condizentes a eles. “Procura compreender e explicar como é que as pessoas percebem a si próprias e aos outros, e como é que essas percepções permitem explicar, prever e orientar o comportamento social”, explicam especialistas do Instituto Universitário de Lisboa.

Paul Ekman, psicólogo americano, foi pioneiro no estudo das emoções e expressões faciais acerca do modo como interpretamos o mundo e como, consequentemente, somos interpretados por ele.  Ekman definiu 7 emoções principais cujas expressões faciais são universais: alegria, tristeza, medo, nojo, raiva, surpresa e desprezo. Em suas pesquisas, o psicólogo encontrou concordância de 70% entre as expressões, fazendo a sua teoria das expressões universais ainda mais forte

A premissa para que as expressões faciais, de fato, mostrem o que sentimos, é o processo cognitivo. Para que uma expressão facial possa ser entendida, o indivíduo receptor deve ter a habilidade de reconhecer a expressão, interpretar o seu significado, entender a sua motivação e responder a ela. Esse processo todo em que acontece essa comunicação não-verbal é a aprendizagem social pautada pela cognição.

O autismo e a cognição social

Já explicamos que a cognição social é uma das habilidades mais importantes para conhecer o que os outros indivíduos nos sinalizam acerca de suas intenções ou emoções. Numa conversa, se o outro nos sinaliza uma expressão facial negativa, já conseguimos entender que devemos mudar de assunto ou encerrar o diálogo se não quisermos que nenhuma situação desagradável suceda. É essa percepção cognitiva que permite que os laços sejam criados.

“Expressões faciais são cruciais no desenvolvimento e na regulação das relações interpessoais”, afirma Ekman. Ele explica que indivíduos cujos processos cognitivos não são desenvolvidos, ou seja, que não conseguem perceber, interpretar e responder aos sinais, como as expressões faciais, têm maior dificuldade em estabelecer laços e interações sociais.

Ao analisar indivíduos com paralisia facial,  o resultado foi uma menor prevalência de interações sociais desses pacientes, já que a expressão do rosto não consegue refletir as emoções e intenções.  Em pessoas com autismo, essa habilidade também é reduzida, tornando a tarefa de integração social mais difícil.

No que diz respeito ao autismo, um dos grandes impactos negativos e prejudiciais é o déficit na intencionalidade do outro, o que o psicólogo Simon Baron-Cohen intitulou de “cegueira mental”, pois os indivíduos autistas possuem enorme dificuldade de relacionar estados mentais diferentes dos seus, fazendo-os faltar com a percepção às emoções alheias e não responder a eles conforme o esperado.

Para quem vive sob o espectro do autismo, o conhecimento cognitivo é um mundo inexplorado e desconfortável. Na série Atypical, Sam Gardener tenta transpor um obstáculo de cada vez, seja com a ajuda dos pais, da irmã, da psicóloga ou do melhor amigo. Sua amiga-namorada também é uma peça fundamental em seu desenvolvimento do processo cognitivo, já que ela passa a ensiná-lo ou que é certo e errado e, ele, anota tudo em seu caderno preto.

Sam sabe que possui claras dificuldades sociais e busca ajuda das pessoas mais próximas para entender como o seu comportamento pode evoluir, até porque ele deseja manter o emprego, ter amigos, ir para a faculdade, coisas que um adolescente comum quer. É importante frisar que o autismo possui muitos níveis e, o de Sam, é um que permite que ele tenha alguns amigos. Em casos mais graves, essa interação não surgiria. 

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