Ciúme é doença! Mas claro, quando em excesso. Saiba mais sobre a Síndrome de Otelo, transtorno inspirado na obra de Shakespeare.

O célebre poeta inglês William Shakespeare sempre teve uma queda por tragédias. Em uma de suas obras mais famosas, “Otelo, o Mouro de Veneza” (1603), ele escreveu sobre o triângulo amoroso entre ciúme, paixão e morte. Na história, Otelo é obcecado pela ideia de que sua esposa, Desdêmona, é infiel. O personagem sofre de um ciúme tão intenso que, no final, ele a mata.

Shakespeare, uma das grandes vozes do amor e da tragédia, chama a atenção justamente para o tema amor e ciúme. Ele evoca, através da morte, o pensamento de que o ciúme excessivo não é saudável e que, principalmente, não é amor.

“Meu Senhor, livrai-me do ciúme! É um monstro de olhos verdes, que escarnece do próprio pasto que o alimenta. Quão felizardo é o enganado que, cônscio de o ser, não ama a sua infiel! Mas que torturas infernais padece o homem que, amando, duvida, e, suspeitando, adora.”

William Shakespeare

O que é ciúmes?

Todo mundo já sentiu ciúmes alguma vez na vida, seja de parceiros(as), familiares ou até mesmo de objetos. Em níveis normais, o ciúmes não é prejudicial e é uma emoção comum aos seres humanos. O psicanalista austríaco, Sigmund Freud, considerado o pai da psicanálise, explicou em seu livro “Alguns Mecanismos Neuróticos no Ciúme, na Paranóia e no Homossexualismo” que o ciúme é “ um daqueles estados emocionais, como o luto, que podem ser descritos como normais”.

O medo da perda é a força-motriz do ciúme, e ele pode gerar outros sentimentos como a raiva, irritabilidade, tristeza e obsessão. A ausência do ciúme, assim como outras emoções consideradas normais, pode ser um sinal de patologia também, assim como o seu excesso: “Se alguém parece não possuí-lo, justifica-se a inferência de que ele experimentou severa repressão e, consequentemente, desempenha um papel ainda maior em sua vida mental inconsciente” (FREUD – 1922).

Freud classificou o ciúmes em três categorias: o competitivo ou normal, o projetado e o delirante, cada qual com um grau diferente de intensidade que pode gerar patologias. 

O ciúme patológico

A história shakesperiana inspirou a medicina e foi aí que a Síndrome de Otelo ganhou esse nome, cunhado em 1955 pelos neuropsiquiatras John Todd Kenneth Dewhurst . O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR, 2002), classificou a síndrome como Transtorno Delirante Paranoico do tipo ciumento e ela “caracteriza-se por delírios não bizarros (crenças falsas) que persistem por, no mínimo, um mês, sem outros sintomas da esquizofrenia”.

O Manual ainda distingue o transtorno delirante paranoico de esquizofrenia: “Os delírios tendem a ser não bizarros e a envolver situações que poderiam acontecer, tais como ser seguido, envenenado, infectado, amado a distância ou enganado pelo cônjuge ou amante. Em contraste com a esquizofrenia, o transtorno delirante é relativamente incomum. O seu início ocorre quase sempre na metade ou no final da vida adulta. O funcionamento psicossocial não é tão prejudicado, como no caso da esquizofrenia, e os prejuízos surgem, em geral, diretamente da crença delirante”. 

O transtorno se caracteriza por um conjunto de pensamentos e emoções irracionais que podem ser associados a comportamentos violentos. Há a constante preocupação com a infidelidade do parceiro ou da parceira sem ter fundamento o provas. A esposa de Otelo garante que jamais deu nenhum motivo para as suspeitas do marido.“Mas aos corações ciumentos essa resposta não basta; nem sempre sentem ciúme por causa de um motivo. O ciúme é um monstro gerado por si mesmo”. (Otelo)

O ciúme possessivo e patológico virou notícia no mundo todo em 2013 quando a história da britânica Debbi Wood se tornou pública: ela submetia seu marido a testes a um detector de mentiras toda vez que ele chegava em casa. Diagnosticada com Síndrome de Otelo, ela contou que proibia o marido de assistir a qualquer tipo de programa contenha mulheres e sempre checava os e-mails e redes sociais diversas vezes ao dia á procura de uma possível traição.

Muitas vezes as pessoas envolvidas não sabem que precisam de uma ajuda psicológica, por isso sempre que estiver em um relacionamento que não é saudável, procure a ajuda de um profissional para avaliação. Infelizmente determinadas atitudes não são passageiras e alimentá-las só irá piorar o relacionamento. Confira aqui em nosso blog o artigo sobre os indícios de que a relação precisa de uma Terapia de Casal.

Esse ciúmes exagerado é sinal típico da Síndrome de Otelo, pois as pessoas sofrem com o delírio de que seus parceiros ou parceiras são infiéis. “A pessoa fica obcecada com a ideia de traição e infidelidade e tenta fazer de tudo para buscar provas que mostrem que ela está certa”, explicou o psiquiatra Walter Ghedin à BBC.

Do ciúmes obsessivo à morte

Não é só na obra shakesperiana que a tragédia pode coroar o final das histórias de amor. Existem casos extremos onde o transtorno pode levar a pessoa a matar o(a) parceiro(a), como no caso de Otelo: o personagem Yago ajudou a convence-lo de que Desdêmona seria infiel.

“Quando se chega ao homicídio é porque existe outro tipo de personalidade patológica, que se desenvolve a partir de uma paranoia ou em um ciúme delirante”, diz o psiquiatra. Ele explica que há casos em que o ciúme é reforçado pela influência de terceiros. “As pessoas ciumentas podem ser influenciadas pelas opiniões de outras pessoas – ou pelos meios de comunicação”.

Síndrome de Otelo: Sintomas

Sentir ciúmes demais deixa rastros. O Manual MSD explica alguns dos sintomas mais recorrentes: “A desconfiança disseminada e a suspeita de outras pessoas e de suas motivações começam no início da idade adulta e se estendem por toda a vida. Os sintomas iniciais podem incluir sensação de estar sendo explorado, preocupação com a lealdade ou a fidedignidade de amigos, tendência a ler significados ameaçadores em observações ou eventos benignos, propensão persistente a ressentimentos e facilidade de responder às descortesias percebidas”.

  • Desconfiança;
  • Irritabilidade;
  • Raiva;
  • Impulsividade;
  • Suspeita de um terceiro no casal sem provas;
  • Possui incapacidade de controlar o ciúmes;
  • Justifica suas suspeitas com explicações infindáveis;
  • Interpreta as situações à seu modo;
  • Interroga e investiga a pessoa de quem sente ciúmes constantemente;
  • É invasivo(a);
  • Não permite que o outro tenha privacidade;
  • Checa celulares, e-mails e redes sociais com frequência;
  • Ignora os fatos concretos que possam inocentar o outro das suspeitas;
  • Éntre outros.

Com frequência, a pessoa vive em negação, como observamos na obra Otelo: “Confessa francamente teu crime; pois por mais que negues cada ponto, mesmo sob juramento, jamais poderás te afastar nem sufocar esse horrível pensamento que provocam em mim estes soluços”. A obsessiva busca por provas que justifiquem os pensamentos e comportamentos é a marca mais expressiva da síndrome. 

“Uma natureza não se deixaria invadir dessa forma pela sombra da paixão (ou emoção) sem um bom motivo. (…)Não são meras palavras que me tanto agitam”.

Otelo – William Shakespeare

O próprio assassinato da esposa Desdêmona se torna uma prova para culpá-la de tudo o que ocorreu: “Eu sofreria a danação das profundezas do inferno, se não tivesse chegado a esses extremos sem motivos justos”.

Síndrome de Otelo: Tratamento

Mas como tratar o ciúme doentio?  O tratamento psicológico para ciúmes é um dos melhores meios para identificar causas e oferecer técnicas para diminuir seus efeitos profundos na vida dos pacientes. 

Porém, existem casos extremos em que a intervenção medicamentosa se faz necessária.”Em alguns pacientes a ideia de infidelidade é tão forte, tão recorrente no pensamento, que altera as relações com outras pessoas. Nesses casos, uma medicação pode atenuar a intensidade dessa ideia fixa”, explica Ghedin.

A psicoterapia pode ajudar o paciente a reconhecer e corrigir os pensamentos distorcidos e a identificar os comportamentos que possam ser perigosos para eles mesmos e para os outros. 

Qualquer tipo de transtorno precisa de tratamento. A vida não precisa imitar a ficção, afinal, vamos deixar as tragédias para o poeta Shakespeare e cuidar para que a realidade sejam mais amena.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.