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Solidão na terceira idade e os males que ela causa

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Você sabia que a solidão na terceira idade pode ser nociva? Saiba o porquê.

O músico Arnaldo Antunes, membro do “Tribalistas”, afirma na canção “Envelhecer” que quer chegar na terceira idade e provar o que essa fase da vida tem a oferecer.  “Pois ser eternamente adolescente nada é mais demodé”. A música também é uma crítica à não aceitação do processo de envelhecimento e do descaso que temos ao lidar com a dita “melhor idade”. | Com uns ralos fios de cabelo sobre a testa que não para de crescer | Não sei por que essa gente vira a cara pro presente e esquece de aprender | Que felizmente ou infelizmente sempre o tempo vai correr”.

As propagandas de remédios e os filmes hollywoodianos estampam idosos felizes usufruindo de qualidade de vida e pintam a velhice como, de fato, a fase da vida mais alegre e bonita. Mas a realidade é mesmo assim? A terceira idade no Brasil está em uma situação preocupante. Segundo dados publicados pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), entre 2012 e 2017, a população de idosos no País saltou 19,5%, ao mesmo tempo que cresceu para 33% o número de homens e mulheres com 60 anos ou mais nos albergues públicos. Podemos entender que, na fase que o amor e o amparo familiar deveriam ser ainda mais intensificados, sobra apenas o abandono e descaso.

Entrevistamos Paula Mello Gomes, gerontóloga do Prevent Senior, para entender mais sobre esse cenário preocupante.

Juliana Sonsin: Como você enxerga a terceira idade no Brasil?

Paula Mello Gomes: No Brasil, a nossa velhice está dividida em duas grandes dualidades: a “terceira idade” e a “velhice” ou “os velhos”. A terceira idade é aquela velhice vendida como melhor fase da vida, fase para se aproveitar os frutos da vida, fazer o que quiser, aproveitar o tempo e direcionar as suas vontades. Assim, um conceito muito maquiado e esperado como um modelo de sucesso. Já a velhice propriamente dita, daqueles que chamamos de “velhos”, é da velhice fragilizada, decadente, muito associada com doenças, limitações e incapacidades. Se formos analisar de um modo geral, os nossos idosos são aqueles mantenedores familiar (com a grande informalidade do mercado, a aposentadoria pode ser a única fonte de renda fixa), muito acometidos por doenças crônicas, maioria de baixa escolaridade, em estado pré-frágil ou frágil e com baixo acesso a saúde do idoso.


Juliana Sonsin: Como você acha que os jovens enxergam os idosos?

Paula Mello Gomes: Muitos associam com a figura mais próxima que tem como referência, no caso um avô, avó ou tio. Entretanto, a maioria enxerga como pessoas limitadas, doentes, que tem pouco ganho social, mais isolados e sem grande serventia (cruel, mas essa é a realidade do que eles pensam). Isso é muito relacionado com a imagem que a mídia passa e vende com muitos produtos e serviços para “evitar o envelhecimento” Assim, ser velho é algo a ser evitado. Os famosos produtos anti-anging. No entanto, acho que estamos mudando essa visão a partir de atividades que estimulam o convívio intergeracional, além de pelo próprio envelhecimento populacional promover um maior convívio natural com idosos. Assim, acho que tendemos a ter uma imagem mais real com essa convivência, quando convivem mais e tem maior possibilidade de interação.


Juliana Sonsin: A que se deve o descaso e abandono da terceira idade?

Paula Mello Gomes:  No sentido de sociedade, o abandono e descaso com os idosos é pela própria visão mercadológica que ainda temos: idosos são onerosos ao sistema, então por que devemos dar direitos, boas condições de vida? E, pensando na nossa realidade, o Brasil peca muito em todos os quesitos como acesso à educação, saúde, divisão de renda, assim, os idosos são mais uma parcela da população que sofrem com a falta de um sistema acolhedor e dê condições para um vida digna. Assim, por não ser muito valorizado socialmente, principalmente pelo ponto econômico, eles acabam sendo muito negligenciados pela sociedade.


Juliana Sonsin: E no sentido de descaso e abandono familiar?

Paula Mello Gomes: Aqui, é preciso pensar no contexto todo: se esse idoso foi um bom pai de família, se teve uma boa relação com os seus filhos ou familiares. Assim, pode ser que a negligência seja pelo que tipo de relação e suporte familiar que foram construídos ao longo da vida. Na nossa sociedade ainda temos a família como o principal elo de suporte e amparo ao idoso, isso por não termos serviços e preparo total para recebermos essa parcela da população, como por exemplo: bancos com letras grandes, ônibus com piso baixo, ruas asfaltadas e sem buracos, serviços preparados para o tempo maior dos idosos em realizar coisas. Com isso, compreendemos que não vivemos em uma sociedade para todos, deixando a família com uma carga pesada e muitos vezes pode não estar preparada para cuidar e lidar com as alterações e adaptações ocasionadas pelo processo de envelhecimento. Isso contribui para uma velhice pouco assistida e abandonada.

Essa realidade que a gerontóloga apresentou é um dos principais motivos de a solidão tomar conta da terceira idade. No Reino Unido, a situação está tão alarmante que um ‘Ministério da Solidão” foi criado. Já são mais de 9 milhões de pessoas que afirmam viver permanentemente ou frequentemente sozinhas, de uma população de 65,6 milhões, segundo a Cruz Vermelha Britânica.

A solidão afeta pessoas de todas as idades e em diversas fases da vidas e a solidão na velhice é muito comum, pois com a aposentadoria e possível afastamento da família, os idosos acabam se desconectando do mundo que conheciam. Acontecimentos como a morte do parceiro ou a separação podem fazer com que esses indivíduos escolham viver na solidão. O problema também é associado a demência, mortalidade prematura e pressão sanguínea alta.

A primeira-ministra britânica, Theresa May, descreveu a epidemia da solidão “a triste realidade da vida moderna”, que afeta milhões de pessoas. Além das consequências físicas, a solidão causa depressão e ansiedade em muitos casos.

Tristeza e solidão não são bons aliados. Os transtornos mentais são muito comuns nas pessoas que se sentem sós e essa condição pode ser um gatilho para as crises de síndrome do pânico, ansiedade e depressão. O Reino Unido percebeu as altas taxas de doenças mentais nas pessoas que vivem na solidão  e tomou a atitude de criar um ministério dedicado a erradicar esse mal silencioso.

Juliana Sonsin: A solidão pode ser listada como uma das principais causas do adoecimento nos idosos?

Paula Mello Gomes: Sim, também, mas para os idosos ainda a maior carga de doenças e incapacidades está relacionadas com as doenças cardiovasculares, altamente relacionada com os hábitos de vida. Pensando em depressão, sim, essa tem aumentado muito a prevalência entre essa faixa etária. Os principais aspectos se dão devido às mudanças sociais, como aposentadoria, perda de entes e amigos e até a própria adaptação às novas condições físicas e muito relacionada com as perdas cognitivas (memória e atenção), assim, dependendo da resiliência,  se não conseguir uma resposta rápida e positiva há esse acometimento. Outro fator é a nossa organização social, em que a interação entre as pessoas são menores, muito mais online que presencial, assim, essa doença tem impactado muito a velhice. Quadros depressivos pouco tratados ou ignorados ao longo da vida têm maior prevalência e impacto nesses casos – gira em torno de 50% de prevalência contra 12-15% em aqueles que desenvolvem o quadro depressivo na velhice, segundo os últimos dados do estudo SABE de 2005. No entanto, essa não é a principal causa de adoecimento entre idosos, mas merece atenção pela conjuntura física e cognitiva do idoso e principalmente por se pensar em tratamentos mais efetivos em épocas anteriores.


Juliana Sonsin: Você vê muitos idosos abandonados ou sofrendo de solidão na sua rotina de trabalho?

Paula Mello Gomes: Atualmente não,  mas isso porque eu sei que trabalho com uma parcela específica da população, de classe econômica B ou A (se é que ainda podemos usar essas definições) que são pessoas que conseguem ter acesso a saúde. Lembrando que aqui estamos falando em saúde  como um todo, no seu conceito amplo e multideterminado e não a simplesmente a ausência de doença. Isso claro, pois na empresa disseminamos e reafirmamos esse conceito geral.

Na parte de acompanhamento com psiquiatra e psicólogos temos a média de 15-20% de idosos depressivos, muito relacionado a questões pouca trabalhadas e não identificadas anteriormente e muito, muito mesmo relacionado às adaptações do envelhecer, mas dificuldades, no amparo social e até na própria aceitação individual.

O que reafirma a influência da mídia e do social. Também temos poucos casos de idosos com questões de negligência familiar e maus tratos, mas essa sempre é uma questão delicada pois não temos um suporte de assistente social direto, o que implica não ter muito para onde direcioná-lo.


Juliana Sonsin: Como solucionar esse problema?

Paula Mello Gomes: Pergunta difícil, mas vamos lá! Pensando no aspecto individual, o importante para evitar a depressão é valorizarmos o cuidado com a nossa saúde ao longo da vida, se preocupar com estresse, pressão e dar suporte nos casos em que a resiliência não der conta, como acompanhamento psicológico,  técnicas de meditação e mindfulness, por exemplo. Também estimular espaços de convívio e trocas sociais como centros de convivência, atividades regionais, para que promova a interação e estimule o suporte social. Se pensarmos na sociedade como um todo, acho que a mudança vem sendo moldada ao reconhecermos os idosos como recursos econômicos e de conhecimento, por muitos movimentaram a economia global a partir do consumo e também como mantenedores familiares, e na parte de conhecimento, valorizarmos a sua experiência e também a sua capacidade de aprender ao longo de toda vida.

Isso está em construção ao pensarmos que a sociedade vai ter pessoas mais velhas trabalhando para se aposentarem, assim, esse convívio e entendimento acaba virando algo natural.

Também podemos destacar o incremento de políticas sociais que promovam interações intergeracionais e também a valorização da velhice como um todo, além de locais que recebam, saibam identificar essas questões, que não identifiquem como questões naturais do envelhecimento e, sim, como uma doença que precisa de acompanhamento e tratamento. Acho que um dos principais pontos acaba sendo o subdiagnóstico desses acometimentos, por associar com aspectos naturais do envelhecimento, assim, é importante reconhecer essas questões como doença e falar sobre elas, desmistificar, trazer conhecimento para a sociedade e para as nossas equipes de saúde.

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