A progressiva mudança dos paradigmas médicos é inegável. Aliás, tal transformação exige constante atualização dos profissionais de saúde e da sociedade. Desse modo, a própria forma como ocorrem os tratamentos são colocados em discussão e a vontade do paciente ganha cada vez mais força, principalmente, em relação ao término da vida.

A morte é inevitável e a busca por uma vida digna envolve também uma morte digna. Nesse sentido, cada indivíduo possui sua própria visão do que é mais compatível com esse momento, fundamentado na sua crença pessoal, religiosa ou não, e estruturada em sua experiência de vida.

Dentro desse contexto, surge a figura do testamento vital, um instrumento capaz de garantir ao indivíduo a capacidade de gerenciar sua própria existência. Sendo assim, iremos nos aprofundar na declaração que determina a trajetória de vida e de morte do sujeito, de acordo com seus princípios.

O que é testamento vital?

O testamento vital é um documento que expõe as vontades do paciente acerca de quais tratamentos serão realizados caso ele se encontre em estado terminal ou fora de possibilidades terapêuticas.

Nesse sentido, respeitar a autonomia desse paciente é reconhecer que este indivíduo doente pode deliberar e tomar ações de acordo com seu plano de vida, crenças, aspirações e valores.

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Dessa forma, o testamento vital, também chamado de diretrizes antecipadas de vontade, pode ser definido como as instruções escritas nas quais a pessoa, de forma esclarecida e livre, expõe suas vontades e posicionamentos, com a finalidade de guiar futuras decisões quanto a sua saúde.

Tais diretrizes podem ser redigidas por qualquer adulto, desde que seja comprovada a sanidade mental no momento da realização do documento. Sendo assim, o instrumento é efetivado somente quando existir comprovação médica de que o paciente se encontra incapaz de tomar decisões.

Existe previsão legal?

A resolução 1995/2012 do Conselho Federal de Medicina reconhece a validade das diretrizes antecipadas de vontade e ampara o médico a seguir suas determinações. No entanto, essa resolução não encontra respaldo no Código Civil, o que acarreta uma grande insegurança para alguns profissionais.

Sendo assim, ao seguir as determinações do testamento vital, o médico estará respeitando o princípio bioético do respeito a autonomia. Isto é, o documento faz valer o direito do paciente de decidir, conscientemente, sobre os tratamentos aos quais deseja ser submetido ou não.

Entretanto, é importante frisar, nesse contexto, que a Constituição Federal está fundamentada no conceito da dignidade da pessoa humana, ou seja, um princípio garantidor da capacidade de autodeterminação do indivíduo. Portanto, a Constituição preserva valores da pessoa humana por meio de princípios de dignidade, autonomia e de liberdade, o que possibilita o testamento vital.

O papel do testamento vital

Ao analisar nossa sociedade plural e secular, a liberdade ética é especialmente protegida nas suas múltiplas dimensões. Sendo assim, somos levados a construir uma visão de mundo baseada na bioética, com um modelo de coletividade enquanto espaço de respeito e tolerância.

O testamento vital é a firmação dessa maneira de ver o mundo e suas relações intersubjetivas entre médicos, pacientes, familiares e outros profissionais de saúde. As diretrizes antecipadas de vontade são uma verdadeira conquista civilizacional e de direitos inalienáveis e irredutíveis da pessoa humana.

A construção dos conceitos

A grande questão hoje em dia, porém, é de como a Medicina deve responder a esses novos desafios, principalmente aos que se colocam no fim da vida humana. Então, como os médicos devem apreciar o testamento vital?

Para responder a essa questão, devemos entender que uma das grandes transformações do final do século XX foi a evolução de uma ética centrada na dignidade da pessoa e no direito à liberdade de autodeterminação.

Nesse sentido, a crescente da doutrina dos direitos humanos, em todas as sociedades de tradição judaico-cristã, foi fundamental. Isso acontece, pois evoluiu a ponto de conferir uma autonomia quase ilimitada ao ser humano individual.

A definição de uma concepção biológica e antropológica da pessoa humana confere dignidade e o direito de ser sempre considerado sujeito com finalidade própria e dotado de liberdade no plano ético. Essa liberdade ética implica que a ciência concorrerá sempre para melhorar as condições da existência da humanidade, respeitando a identidade desse sujeito.

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A evolução da ciência permitiu, nas últimas décadas, a manutenção artificial de algumas funções vitais e essenciais para o prolongamento da vida dos seres humanos, o que traz à tona a grande questão: em que circunstâncias a vida é eticamente relevante?

O reconhecimento da finitude da vida humana é uma atitude eticamente louvável. Então,  os profissionais da saúde ao respeitarem a vontade expressa do doente, materializam o princípio do respeito pela autonomia individual.

Quando o tratamento é considerado inútil ou incongruente trata-se de uma boa prática clínica a suspensão ou abstenção de meios desproporcionados de tratamento. Sendo assim, o paciente poderá expressar sua vontade pelo testamento vital.

Diretrizes antecipadas de vontade ainda são uma novidade

A temática do testamento vital ainda é muito desconhecida na nossa sociedade. O avanço das ciências médicas criou situações limítrofes entre a vida e a morte, evidenciando os conceitos de eutanásia, distanásia, ortotanásia e suicídio assistido.

A fase final de vida de uma pessoa suscita inúmeras questões éticas e dúvidas de natureza existencial, em que a grande questão consiste na distinção entre tratar e cuidar.

Dessa forma, o testamento vital resguarda todos esses direitos do paciente e, em especial, o direito de morrer dignamente. Trata-se de um instrumento para proteger o paciente fora de possibilidades terapêuticas das consequências negativas da evolução tecnológica.

Questões como morte digna, terminalidade e testamento vital são importantes temas para serem discutidos no contexto bioético brasileiro e por todos os profissionais de saúde que atuam na área de pacientes não salváveis.

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Psicóloga formada em 1982, me especializei em Psicoterapia Breve e Psicologia Hospitalar, tendo feito mestrado em Psicologia da Saúde. Toda minha vida profissional foi fundamentada numa postura ética humana, tendo trabalhado como psicoterapeuta (analítica dinâmica) em meu consultório, psicologia oncológica e psicologia hospitalar (UTI de adultos - politrauma, cardiologia e neurologia), sala de Emergência (atendendo tentativas de suicídio por intoxicação e dependência química) e também atuado como professora de Psicologia Educacional, em escolas estaduais no início de carreira, nas Faculdades Oswaldo Cruz (curso de especialização em Oncologia) e na UNICID (matéria de toxicologia clínica na Faculdade de Medicina e Psicologia Forense na Faculdade de Direito). No hospital fui Chefe da clínica de Psicologia Hospitalar (por três anos) e na clínica de oncologia coordenei a equipe multiprofissional. Atualmente atendo clinicamente, e desenvolvo um trabalho de mentoria.

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